segunda-feira, 13 de outubro de 2008

TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O AMIANTO

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FERNANDA GIANASSI

por CONCEIÇÃO LEMES, especial para o VIOMUNDO

O amianto, ou asbesto, é praticamente a única causa conhecida do mesotelioma. Um tumor maligno -- 100% fatal --, que pode afetar a pleura (membrana que reveste o pulmão), peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) e pericárdio (membrana que recobre o coração). Manifesta-se 20, 30, 40 e até 50 anos após o primeiro contato com o mineral. O tempo de vida após o diagnóstico é, em média, de apenas um ano.

Nos Estados Unidos, são 10 mil novos casos anuais. Na Inglaterra, 2 mil. Na França, cerca de 1.500. No Brasil, de 1983 a 2003, há contabilizados no SUS 2.414 óbitos por mesotelioma. Os dados oficiais são apenas a ponta do iceberg devido a uma combinação de fatores: empresas do setor “escondem” as vítimas, falta de preparo dos médicos para fazer o diagnóstico e subnotificação das doenças do trabalho em geral.

Mesmo assim, os dados da Fundação Seade indicam que o número de casos de óbitos está aumentando no Estado de São Paulo. Em 1996, foram registrados 15. Em 2000, 26. Em 2005, 36. Em 2006, 38 casos.

“Tem muita gente morrendo de mesotelioma sem ter a mínima idéia do que lhes causou tanto sofrimento”, adverte a engenheira de Segurança do Trabalho Fernanda Giannasi. “Não apenas o ex-empregado ou trabalhador do setor de amianto corre de desenvolvê-lo, mas também quem se expõe ocasionalmente às suas fibras. Da esposa que lava ou lavou a roupa desses trabalhadores aos operários da construção civil e até mesmo o consumidor. Todas essas pessoas correm risco, em maior ou menor grau. Todo tipo de amianto, inclusive a crisotila, é cancerígeno. Mata!”

Tanto que, de 13 a 15 de outubro, acontece em Petrópolis, Rio de Janeiro, um encontro de vítimas do amianto e seus familiares. Entre outros assuntos, serão debatidos o avanço do conhecimento das doenças no Brasil, em especial o mesotelioma, os riscos à saúde humana, os tratamentos disponíveis, a falta de assistência às vítimas e seus familiares e as indenizações.

Temas que, nos últimos meses, motivaram cinco reportagens no Viomundo: 1ª) Aldo, mais uma vítima do amianto; 2ª) Médicos disseram que Manoel estava bem de saúde. Mas ele tinha câncer no pulmão; 3ª) Perito “suíço” em amianto foi pago pela indústria brasileira do amianto; 4ª) O lobby do amianto em visita a Gilmar Mendes; 5ª) Amianto em SP: empresas têm 60 dias para cumprir a lei.

Nas cinco matérias, leitores fizeram observações, sugestões, perguntas. A indústria do amianto, ao mesmo tempo, veiculou, na mídia corporativa, informes publicitários recheados de inverdades científicas.

Para esclarecer as dúvidas dos internautas e colocar vários pingos nos is, convidamos Fernanda Giannasi para esta entrevista. Respeitada internacionalmente e símbolo da luta antiamianto no Brasil, Fernanda é auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em São Paulo, fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto na América Latina.

Viomundo – A indústria insiste que o amianto é apenas problema de saúde ocupacional. A senhora concorda?
Fernanda Giannasi – De modo algum. Os problemas do amianto extrapolam os muros da fábrica. Familiares de trabalhadores e moradores do entorno das empresas de amianto correm risco, assim como quem se submete à exposição indireta (consumidores em geral) e até mesmo ambiental. Todos podem vir a desenvolver doenças, inclusive o fatal mesotelioma.

Viomundo – Há provas disso?
Fernanda Giannasi – Muitas. Cerca de 100 esposas de ex-empregados da Eternit estão sendo acompanhadas em Osasco, na Grande São Paulo; cinco já tiveram diagnóstico de placas pleurais [doença que pode acarretar falta de ar, cansaço, dores nas costas e pernas, tosse e evoluir para casos mais graves, inclusive doenças malignas]. As cinco se contaminaram, lavando a roupa de seus maridos. Há, inclusive, um caso, confirmado, de mesotelioma. Filho e marido trabalharam na fábrica de Osasco; ela cuidava das roupas de trabalho deles e varria o quintal pavimentado com resíduos da fábrica doados. O pai tem asbestose e o filho, placas pleurais. A mãe – sem nunca ter pisado na empresa! -- desenvolveu mesotelioma e já morreu.

Viomundo – Ou seja, o amianto é mesmo problema de saúde pública?
Fernanda Giannasi – Com certeza. O mesotelioma, especificamente, não tem relação com a dose e nem com o tempo de exposição. Em bom português: baixas doses e pouco tempo de exposição podem levar ao aparecimento deste tumor maligno até 50 anos após o primeiro contato com o amianto. Além disso, quando trabalhadores ou ex-empregados expostos adoecem, é para o SUS [Sistema Único de Saúde] que são encaminhados para tratamento. É a eterna e perversa lógica do capitalismo de socializar o prejuízo.

Viomundo – Afinal, quem corre risco de desenvolver problemas de saúde relacionados ao amianto?
Fernanda Giannasi -- Todo mundo que tiver contato com as suas fibras nocivas.

Viomundo – Quem estaria mais sujeito a esse risco?
Fernanda Giannasi – Em primeiro plano, o trabalhador que se expõe diretamente ao amianto. Em 20, 25 anos, ele tem grande probabilidade de desenvolver asbestose, doença que “endurece” o pulmão (fibrose), levando à perda progressiva da capacidade respiratória. Limita muito a sua qualidade de vida e pode levar lentamente à morte. Esse mesmo trabalhador pode ter mais à frente câncer de pulmão ou mesotelioma.

Viomundo – Que outras categorias profissionais correm risco?

Fernanda Giannasi – Principalmente os da construção civil, que cortam, serram, furam, manuseiam, instalam e fazem contínuas demolições de telhas, coberturas, divisórias de ambiente, canaletas, caixas d’água, tubulações. Operários de oficinas mecânicas e de outras categorias, como metalúrgicos, plásticos e químicos, também podem estar expostos a produtos com amianto. Boa parte dos veículos ainda em circulação no Brasil tem pastilhas de freio, revestimento do disco de embreagem, juntas automotivas ou lonas de fricção feitos com amianto, embora as montadoras tenham abolido a fibra assassina nos veículos novos há mais de dez anos.

Viomundo – Que doenças esses trabalhadores têm probabilidade de desenvolver?

Fernanda Giannasi – A asbestose e o câncer de pulmão estão mais associados à exposição de longa duração e altas concentrações de fibras. Quanto maior a exposição, maior a probabilidade de tê-las. No caso do câncer de pulmão, se o trabalhador ou a trabalhadora for fumante, a situação piora. Tabagismo e amianto têm efeito sinérgico, potencializando o risco. A pessoa que trabalha com amianto e fuma tem 57 vezes mais probabilidade de desenvolver este tipo de câncer do que aqueles que não tiveram contato com amianto nem fumaram.

Viomundo – Que doença pode ter quem se expõe a baixas doses e por pouco tempo ao amianto?

Fernanda Giannasi – O mesotelioma. Como o período de latência é muito grande, freqüentemente não se correlaciona a doença com o amianto, pois, em geral, quando se manifesta o trabalhador já está fora do processo produtivo.

Viomundo – E o consumidor, que doença corre o risco de ter?

Fernanda Giannasi– Diria que também o mesotelioma. Todo tipo de amianto -- inclusive a crisotila -- é comprovadamente cancerígeno aos seres humanos. Não se trata de achismo ou mera de opinião pessoal. É a posição oficial das principais instituições do mundo ligadas à saúde, entre as quais a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC, sigla em inglês), o Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional (NIOSH) dos Estados Unidos, o Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França (INSERM) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Brasil.

Viomundo – Existe dose segura de exposição ao amianto?

Fernanda Giannasi – Não. Em se tratando de QUALQUER substância cancerígena, não há dose ou limite seguro de exposição, abaixo do qual não há risco de se adoecer. Ou seja, se você se expõe ao amianto, seu risco jamais será ZERO.

Viomundo – De que forma eu, consumidora, poderia me contaminar?

Fernanda Giannasi – Ao aspirar fibras de telha degradada, por exemplo. Ou fazer reparo na telha ou na caixa d’água; construir um “puxadinho”; recobrir a casinha do cachorro. Enfim, todas as formas de contato que levem as fibras cancerígenas para dentro do corpo humano, já que o amianto pode provocar cânceres em vários outros locais além do pulmão, peritônio e pericárdio. Por exemplo, laringe, cólon (porção do intestino grosso) e aparelho digestivo.

Viomundo -- Talvez alguns leitores retruquem. Tem tanta gente que trabalhou com amianto e não tem nada... Tem gente que mora em casa com telha de amianto e não tem nada... O que a senhora diria a eles?
Fernanda Giannasi -- Não tem nada hoje. Mas é impossível garantir que não venham a ter no futuro. Se as doenças mais graves, principalmente as malignas, levam 30 a 50 anos para se manifestar, e nós estamos em 2008, como é possível garantir que as pessoas que se expuseram a partir de 1980 não ficarão doentes? É irresponsabilidade. É leviandade. Pura propaganda enganosa.

Viomundo – O Instituto Brasileiro da Crisotila (IBC) garante que a partir de 1980 não há no País um só caso de trabalhador doente no processo de industrialização do amianto. Isso contraria o que a senhora acaba de dizer.
Fernanda Giannasi – É futurologia deles. Do ponto de vista epidemiológico, absurdo completo. Quem foi exposto nos anos 80 só vai ter mesotelioma em 2020, 2030. Só aí será possível afirmar se as medidas adotadas pelas empresas a partir de 1980 foram eficientes para erradicar as doenças no ambiente de trabalho. Até lá muita gente já morreu. Aliás, qual o papel do IBC? Vender amianto é o negócio deles. Falam qualquer coisa, mesmo que não provem com fatos. A palavra deles não tem nenhuma validade científica. Nós trabalhamos com epidemiologia, que acompanha retrospectiva e prospectivamente os expostos ao amianto.

Viomundo – Então a senhora conhece casos que desmentem a versão da indústria de que a partir de 1980 não há mais doentes do amianto?

Fernanda Giannasi – Um deles é o do senhor Manoel de Souza e Silva Júnior, 64 anos, revelado em primeira mão pelo Viomundo. O Manoel “Português” trabalhou na SAMA de 1982 a novembro de 1996. Em 2007, Eliezer João de Souza, presidente da Abrea, esteve comigo em Minaçu para organizar o movimento local das vítimas. Lá, além do Manoel, soubemos de vários outros casos de pessoas que começaram a trabalhar com amianto depois dos anos 80 e adoeceram. À medida que os doentes e/ou familiares perderem o medo de represálias e romperem esse silêncio, mais casos aparecerão. [Parêntese nosso: a SAMA faz parte do Grupo Eternit, o maior produtor de amianto do País. A SAMA é a empresa de mineração, responsável pela única mina de amianto atualmente em exploração no Brasil que fica em Minaçu, norte de Goiás].

Viomundo – Podemos dizer que a asbestose é uma doença tipicamente ocupacional, enquanto o mesotelioma pode acometer o consumidor que teve apenas contato eventual com o amianto?
Fernanda Giannasi – Sim. Tanto que na Europa, onde a partir da década de 1980 houve progressiva redução da fabricação e utilização dos produtos com amianto, a curva de casos de asbestose é decrescente. Ao passo que a curva do mesotelioma, cuja única causa praticamente conhecida é o amianto, só cresce. Por conta disso, o Senado francês considerou o amianto a catástrofe sanitária do século 20.

Viomundo – Como era usado na França até ser proibido?

Fernanda Giannasi – Lá, como aqui, foi usado, profusamente na construção civil, na indústria naval, na indústria do cloro-soda (diafragma de amianto como elemento separador), em gaxetas (para vedação), forros falsos, tubulações. Na França, aliás, ocorreram muitos casos de contaminação grave entre professores, pessoas que faziam artesanato, bricolage, joalheiros, encanadores, entre outros profissionais.

Viomundo – Quando a França baniu o amianto?
Fernanda Giannasi – Janeiro de 1997. Lá, todos os tipos estão banidos. A proibição vale para produção, comercialização, importação e utilização. O que existe ainda na França e demais países industrializados que já o baniram, é muito amianto instalado nas edificações que precisa ser removido. Só que o custo da retirada é altíssimo, além de perigoso. Por isso, tem de ser feita de forma progressiva e criteriosa. Na França, para que casa, apartamento ou estabelecimento comercial possa ser alugado ou vendido, o proprietário tem de provar que o imóvel é isento de amianto. É o que jornalista Reali Júnior chama de “certidão negativa” da existência de amianto.

Viomundo -- A saída do grupo francês Saint-Gobain do mercado de amianto no Brasil tem a ver com sua proibição na França?

Fernanda Giannasi – Sim. A Saint-Gobain, no Brasil, chama-se Brasilit, uma marca muito conhecida no mercado da construção civil. Ela e a Eternit suíça chegaram aqui na década de 1930. Embora fossem empresas distintas, sempre atuaram em estreita colaboração, liderando o cartel de materiais de cobertura e reservatórios d’água. Em 1967, tornaram-se sócias na SAMA, para explorar a mina de Cana Brava, em Goiás. A Brasilit tinha 51% das ações e a Eternit, 49%. A Eternit, inicialmente, era um grupo suíço; a partir de 1990 passou a ser controlada pela Saint-Gobain, que, em meados de 1998, anunciou que ia se tornar uma empresa sem amianto (asbestos-free). A Eternit, que à época já tinha o controle acionário da SAMA, optou por permanecer no segmento; em 2000, tornou-se uma empresa totalmente nacional. Aí, o “casamento feliz, sólido e duradouro” passou a dar mostras de ruptura. Foi um “enlace” de 70 anos, mas que acabou em divórcio litigioso. Hoje, elas brigam publicamente pela liderança do mercado de cobertura, já que o de caixas d’água passou a ser dominado principalmente pelo setor plástico.

Viomundo – Em relação às vítimas, o tratamento da Saint-Gobain difere do da Eternit?

Fernanda Giannasi – Tem algumas pequenas diferenças, mas na essência não. Embora a Brasilit não produza mais artefatos com amianto, ela age como a Eternit, quando se trata de lidar com as vítimas do amianto. Ambas oferecem acordos extrajudiciais de valores baixos, desenhados pelo mesmo escritório de advocacia. A Abrea é totalmente contrária a esses acordos, tanto que promove -- em conjunto com o Ministério Público ou sozinha -- ações civis públicas para alterar os valores deles.

Viomundo – O leitor Manuel Calandrine diz que em Belém, no Pará, há uma fábrica da Brasilit que produz telhas de amianto. Ele pergunta: as telhas da Brasilit não possuem a crisotila assassina?
Fernanda Giannasi – No passado, a Brasilit fabricava telhas de amianto. Hoje, não mais. Porém, as telhas ainda existentes e instaladas foram fabricadas, sim, com a fibra assassina.

Viomundo – Manuel Calandrine também pergunta por que não há um braço da Abrea em Belém?
Fernanda Giannasi – Por duas razões. Primeiro: o Sindicato da Construção Civil daí é pró-amianto. É ligado à Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA), que é financiada pela indústria do setor. Segunda: a Abrea não se cria espontaneamente. Ela só existe onde há demanda de trabalhadores, familiares ou da sociedade civil. Por incrível que pareça ainda não surgiu ninguém disposto a criar uma Abrea no Pará. Por isso, faço um convite a você, Manuel. Se quiser organizar uma Abrea aí, será muito bem-vindo ao movimento e contará com todo nosso apoio.

Viomundo – É verdade que há associações de vítimas criadas por gente que defendeu o amianto?

Fernanda Giannasi – É o caso da de Pernambuco, onde há também uma fábrica da Brasilit. Criada por ex-dirigentes sindicais pelegos que sempre defenderam o amianto, ela só serve para oferecer o acordo extrajudicial, que prejudica o interesse dos ex-empregados, e fazer com que desapareça das estatísticas oficiais os casos de doentes. Nessas associações de fachada, eu não acredito.

Viomundo – Em que estados brasileiros o amianto já está banido?

Fernanda Giannasi – Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e, mais recentemente, São Paulo. Nos demais estados da federação, onde o amianto ainda é permitido, temos várias fábricas produtoras de artefatos à base de amianto; por exemplo, em Santa Catarina, Paraná, Goiás e Bahia.

Viomundo – Nos Estados Unidos, os usos do amianto são iguais aos do Brasil?
Fernanda Giannasi – Alguns são diferentes. Aqui, nós utilizamos muito as chapas onduladas de cimento-amianto para cobertura e, no passado, também as caixas d’água. Lá, eles usaram bastante para isolar termicamente equipamentos, tubulações e ambientes contra o frio, canalizações de água potável, na indústria naval, etc. Mas atenção. Não há nenhum tipo de uso que isente a fibra assassina de seu poder devastador.

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Viomundo – As estruturas das Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, continham mesmo amianto?
Fernanda Giannasi – Sim. Inclusive há uma propaganda do início da década de 1980 na revista ASBESTOS, que ficou famosa. A indústria do amianto usou as Torres Gêmeas como exemplo de segurança. Diz: “quando o alarme do incêndio soar, o World Trade Center tem duas horas para ser evacuado”, pois “quando a vida depende disto, use amianto”. A gente viu – lamentavelmente – que as torres entraram em colapso bem mais rapidamente. Muitos bombeiros que trabalharam no salvamento das vítimas desenvolveram doenças respiratórias relacionadas ao amianto com tamanha rapidez que não se conhecia antes.

Viomundo – No Brasil, em que setores o amianto é mais utilizado?
Fernanda Giannasi – Continua sendo no da construção civil, principalmente para as coberturas. No passado, tínhamos em torno de 3.000 produtos industriais. Por exemplo, todos os fabricantes do epóxi, uma massa de vedação e para reparos, usavam amianto; hoje, não mais. Só encontramos o mineral nos produtos provenientes da China e em alguns fabricados em fundos de quintal. Ao lixar o reparo, aspira-se centenas ou milhares de fibras. Havia o “chapex”, ou o banho-maria a seco. De um lado, uma chapa metálica. Do outro, outra chapa recoberta com um papelão hidráulico à base de amianto, que entrava em contato direto com a chama do fogão. Dessa forma, fervia-se o leite sem derramá-lo. Hoje, o “chapex” não é mais fabricado com amianto. Por isso, fiquem de olho. Há ainda alguns desses produtos com amianto no mercado. Em geral, são os que custam menos, pois seus fabricantes não têm responsabilidade com a saúde humana e o meio ambiente.

Viomundo – O leitor Romanelli pergunta: “O amianto faz mal mesmo depois do produto acabado, como caixa d’água e telhas? Penso que não...

Fernanda Giannasi – Vamos por partes. Não é apenas a fabricação de produtos com amianto que causa danos à saúde. A sua utilização também. Por que será que as empresas são obrigadas a colocar nas canaletas, caixas d’água e outros produtos com amianto este alerta: ao cortar ou furar, não respire a poeira, pois pode prejudicar gravemente a saúde? É a prova do perigo. Ao se cortar ou furar uma telha, por exemplo, centenas de fibras de amianto são liberadas no ar. E inala essa “poeira” não só quem faz o serviço, mas todo mundo que está no ambiente. Além disso, o material, com o tempo, se degrada e, ao ser manuseado, se desfaz ao contato das mãos. Libera, assim, fibras de amianto na sua casa, no meio ambiente. Logo, é um risco importante a ser considerado.

Viomundo – Romanelli prossegue: “Está cheio de produtos que fazem mal à saúde se manipulados incorretamente; as pilhas, por exemplo”.

Fernanda Giannasi -- Esse é um discurso recorrente do lobby do amianto e para o qual precisamos estar atentos: o fato de outros produtos causarem danos à saúde não isenta o amianto dos seus riscos à saúde. Vamos combater esses outros produtos também. Está aí uma sugestão para você e outros com o seu grau de consciência crítica: levantem a bandeira da proibição de outros produtos maléficos à saúde. Contra o amianto, nós batalhamos há muitos anos, é nossa bandeira e já nos dá trabalho suficiente.

Viomundo – Romanelli insiste: “Ao se proibir o amianto não se incorreria em erro de se condenar toda e qualquer atividade de risco?”
Fernanda Giannasi -- Existem vários produtos que fazem mal à saúde, não negamos. Concordamos que outros produtos cancerígenos também devam ser banidos, inclusive o cigarro. A nossa bandeira, como já disse, é a do amianto, assim como outros lutam contra a energia nuclear, o mercúrio, os pesticidas. Reitero o convite a você, Romanelli, para assumir uma delas. É importante que a sociedade faça isso. Vamos lá, faça a sua parte para que nossa sociedade do futuro esteja livre de todos esses produtos tóxicos. Certamente o apoiaremos, como esperamos que nos apóie na causa do banimento do amianto.

Viomundo – O leitor Claudião diz: “Amianto, nicotina e outros quetais. É melhor morrer no longo que ficar desempregado no curto prazo (sic)”.

Fernanda Giannasi – É imoral que não se dê ao trabalhador o direito de trabalhar num ambiente saudável. No Brasil, infelizmente, muitas vezes o trabalhador tem que optar ou por ter trabalho ou por ter saúde. Nosso papel é combater essa prática absurda. É lutar para que haja trabalho num ambiente saudável, seguro e que não traga adoecimento, sofrimento ou morte.

Viomundo – Há quatro meses Adilson Santana, presidente da CNTA, disse que o setor empregava 170 mil funcionários. No encontro do lobby do amianto com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, falou-se em 60 mil. É tudo isso?

Fernanda Giannasi – Não. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que a cadeia produtiva do amianto gera 3,5 mil empregos em todo o Brasil.

Viomundo – Por que essa diferença?
Fernanda Giannasi -- Jogada da indústria. Quando lhe interessa inchar os números, o telhadista informal, o operário da construção civil, o transportador, o estivador, por exemplo, são importantes e contabilizados. Porém, quando se trata de caracterizar uma doença que acomete esse trabalhador, o discurso é outro: “Ah, não é possível, porque esse funcionário não teve contato prolongado com o amianto nem se expôs a grandes concentrações de fibras”; “ele não tem vínculo comprovado em carteira...”. Isso sem falar que muitas vezes o lobby do amianto inclui nas suas estatísticas todos os empregados das lojas de materiais de construção, como se trabalhassem exclusivamente com amianto.

Viomundo – Quantas pessoas estão expostas ao amianto no Brasil?
Fernanda Giannasi – Devemos fazer aqui uma diferença. No Brasil, como já disse, há 3,5 mil postos de trabalho gerados pela indústria do amianto. Porém o número de expostos é muito maior. Pode chegar a 1 milhão de pessoas, incluindo as exposições indiretas e ambientais. São pessoas que precisam ser acompanhadas pelo poder público, tratadas e indenizadas quando vitimadas por este flagelo industrial.

Viomundo – Sobre o encontro do lobby do amianto com Gilmar Mendes, o leitor Romildo Antonio de Souza indaga: será que o presidente do STF receberia o presidente do sindicato dos trabalhadores?
Fernanda Giannasi – Acho que o lobby do amianto intercederia a favor e até levaria junto à audiência no STF se fossem os presidentes do Sindicato dos Mineiros de Minaçu, da CNTA, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), das Federações e dos sindicatos de trabalhadores da construção civil de São Paulo, Pará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Afinal, são sindicalistas pelegos que defendem os interesses da indústria do amianto e não os dos trabalhadores. Denúncias recentes no jornal Folha de São Paulo mostraram que esses sindicalistas são financiados pelo Instituto Brasileiro do Crisotila em suas ações de defesa do amianto.

Viomundo – O leitor Sérgio Grusca diz: “Trabalhei na SAMA de 1975 a 1983 e fumo há 40 anos. Sinto dores nas costas, tenho falta de ar. No entanto, os médicos pagos pela multi do amianto dizem que estou normal, mesmo com três drenagens de pneumotórax... Pode (sic)?”
Fernanda Giannasi -- Sérgio, procure um médico que não seja ligado à indústria do amianto, para fazer um diagnóstico isento. E pare de fumar imediatamente, já que trabalhou com amianto. O risco de você ter um câncer de pulmão é enorme; ambos os agentes se combinam e potencializam o risco para o câncer.

Viomundo – O leitor Amaury de Andrade pede que divulguemos os custos ambulatoriais e hospitalares de cada paciente vítima do amianto.
Fernanda Giannasi -- Infelizmente, até hoje não sabemos quanto custa ao SUS cada paciente com câncer do pulmão ou mesotelioma. Em 2000, a Abrea solicitou a informação ao então ministro da Saúde, José Serra. Ele disse que não se preocupava em obtê-los e que não iria se indispor com os parlamentares do PSDB de Goiás, que fazem parte da ‘bancada da crisotila’. São parlamentares que, em troca do apoio ao amianto, têm suas campanhas políticas financiadas pela indústria do setor. Na campanha de 2002, a SAMA doou quase 1 milhão de reais para a “bancada da crisotila”, segundo dados do site Às Claras”.

Viomundo – A Abrea já cobrou essa informação do Ministro José Gomes Temporão?
Fernanda Giannasi – Sim. Diversas vezes solicitamos audiência com o atual Ministro da Saúde para tratar da falta de dados confiáveis em relação às vítimas do amianto no Brasil. Mas, sinceramente, não sinto nele nem nos demais ministros do governo Lula, qualquer vontade política de batalhar, realmente, pela proibição do amianto no Brasil. Para falar a verdade, não vejo interesse nem na maioria do legislativo brasileiro para debater esse tema, já que há muitos interesses em jogo.

Viomundo – Que tal a Abrea solicitar esses custos ao ministro Temporão e, ao mesmo tempo, aproveitar a ocasião para esclarecer sobre o que, de fato, acontece com a questão amianto hoje no Brasil?

Viomundo – Sim, podemos insistir. Afinal, é o SUS – leia-se todos nós -- que arcamos com a quase totalidade dos custos de diagnóstico e tratamento das vítimas de amianto e não as empresas responsáveis por essa tragédia no Brasil.

Viomundo – No Brasil, quase todo mundo tem telha e/ou caixa d’água de amianto. A senhora recomendaria a troca imediata desses produtos?

Fernanda Giannasi – Em sã consciência nenhum legislador irá exigir que todo mundo troque as caixas d’água e telhas de afogadilho e de uma vez. Além disso, seria impraticável, pois não teríamos onde armazenar tanto lixo contendo amianto, classificado como perigoso pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Seria uma grande poluição. Tem que ser algo bem planejado, pois há grande risco na demolição. Você expõe os moradores a grandes quantidades de fibras de amianto. Por isso, aconselharia a vocês, inicialmente, uma boa inspeção visual periódica para saber o momento da substituição das telhas e das caixas d’água. A substituição deve ser gradativa, à medida que você note desgaste.

Viomundo – Como saber se a telha já oferece risco?

Fernanda Giannasi – A partir do momento em que o material começa a quebrar, fissurar. Também quando o chão começa a ficar recoberto de poeirinha fina. Aí, está na hora de trocá-la. Isso acontece após anos de uso, muitas lavagens com produtos químicos e limpezas agressivas. As fibras liberadas no ar, como já disse, podem ser inaladas e acarretar doenças na família.

Viomundo – Após quanto tempo de uso isso pode ocorrer?

Fernanda Giannasi – Depende. Se a casa está numa área industrializada, onde fábricas lançam produtos químicos no ar, ou em regiões onde há grandes diferenças de temperatura (esquenta e esfria bruscamente), os produtos de cimento-amianto podem se degradar e você, às vezes, não perceber a olho nu. O mesmo pode acontecer onde há muitas chuvas de granizo, ventanias ou onde se praticam limpezas com escovas de aço e outros materiais abrasivos. Numa cidade como São Paulo, por exemplo, encontramos telhas bastante danificadas com 5, 6 anos de uso. Numa região em que chove muito ou é muito quente, é comum as telhas apresentarem microfissuras. Por elas, aos poucos, as fibras vão sendo liberadas no ar, colocando em risco a saúde das pessoas que habitam aquele ambiente.

Viomundo – E a caixa d’água, qual o risco do seu uso? Tem quem diga que seria zero.

Fernanda Giannasi – Não existe risco zero, quando se lida com substâncias cancerígenas e, no nosso caso, em particular, o amianto. Há casos bem relatados na literatura médica de cânceres do aparelho digestivo por amianto. Limpar a caixa d’água de tempos em tempos é medida indispensável, higiênica, mas também uma atividade que aumenta o desgaste das paredes desses reservatórios, diminuindo sua vida útil. É muito comum, em tempo de dengue, usar-se escova de aço, produto abrasivo e água sanitária. No momento em que se raspa a caixa para tirar o lodo, você tira progressivamente a proteção de cimento, deixando cada vez mais livres as fibras de amianto. E, aí, acabamos ingerindo água com amianto. Na limpeza a seco, existe o risco de inalar as fibras de amianto. Lembre-se de que estamos falando de um dos cancerígenos industriais mais estudados no mundo. Lembre-se também do princípio da precaução: se houver dúvida, opte pela vida, opte pela sua saúde. Substitua os produtos com amianto.

Viomundo – Como limpar a caixa d’água sem causar danos à saúde?
Fernanda Giannasi – Deixe sempre a caixa bem tampada, para diminuir o risco de sujidade e a necessidade limpezas freqüentes. Ao limpar, esqueça a escova de aço e produtos químicos. Prefira esponjas macias, sabão neutro e atóxico. Evite movimentos bruscos e repetidos. E, quando puder, substitua os tanques de cimento-amianto; eles são foco importante de diversas bactérias e acúmulo de algas e toxinas prejudiciais à saúde. Escolha materiais que facilitem a limpeza e evitem a formação de lodo.

Viomundo – O que recomendaria a quem deseja trocar a telha ou a caixa d’água de amianto?

Fernanda Giannasi – A substituição tem de ser feita com cuidado, evitando gerar poeira. O ideal é ser realizada por profissional treinado e protegido. Há técnicas adequadas de remoção. Se for impossível, umedeça o máximo possível a peça a ser retirada. É para reduzir a possibilidade de liberação de partículas no meio ambiente. Preferencialmente remova a peça íntegra. Procure não quebrá-la em pedaços. Ela pode esfarelar e virar poeira. E, aí, de novo, há risco de liberação de fibras cancerígenas no meio ambiente. O descarte – atenção! -- deve ser feito sempre em aterro para lixo perigoso, como determina a resolução 384/2004, do Conama.

Viomundo – A substituição deve ser por telha ou caixa d’água de fibra sintética?

Fernanda Giannasi – Há muitos materiais disponíveis no mercado que substituem com eficiência e segurança o amianto. Procure o mais adequado à sua obra e ao seu bolso. Mas leve em conta – sempre! -- que a saúde não é mercadoria. É um bem que devemos preservá-lo a todo custo. Não adianta falar em saúde depois que se adoece. Economia se faz com tudo, menos nos quesitos relacionados à saúde, em especial a da sua família.

Viomundo – A esta altura, o leitor Ivan Moraes deve estar perguntando: quanto custa a telha de amianto e de material de fibra sintética? O preço não quintuplicará se o amianto for proibido?
Fernanda Giannasi – Há quase quatro meses o próprio Viomundo pesquisou em lojas de materiais de construção de São Paulo e encontrou preços idênticos. Mas vamos supor que realmente custe um pouco mais caro. Será que não vale muito mais a proteção à saúde da sua família?

Viomundo – Provavelmente defensores do amianto contra-atacarão: “ah, mas não existem estudos que garantam que a fibra sintética não acarreta nenhum dando à saúde...”
Fernanda Giannasi – A dúvida é produto do lobby do amianto para adiar o debate sobre o seu banimento no Brasil. Todos os estudos feitos até agora comprovam que o amianto é, de fato, cancerígeno. Sobre as outras fibras, os estudos disponíveis demonstram que são menos nocivas e não causam danos à coletividade, como ocorre com a fibra assassina. Essa, aliás, é a desculpa do lobby do amianto para não substituí-lo. E mesmo que no futuro se prove que as outras fibras oferecem risco à saúde, isso não inocenta o amianto. E mais. Se essas outras fibras forem nocivas, também terão de ser banidas. Já se foi o tempo em que a sociedade se submetia a tudo em nome de um “pseudo” progresso e prosperidade. Hoje o valor que mais se preza é a qualidade de vida. O amianto, portanto, não atende a esse quesito: faz mal à saúde. Quem a perdeu, que o diga como é importante e inegociável.

Viomundo – E as constantes insinuações de que a campanha pró-banimento seria custeada por “grupos estrangeiros”?

Fernanda Giannasi – Estupidez e apelação de quem sabe que o amianto está com os dias contatos no Brasil. Há anos eles vêm nos acusando disto e daquilo. Nunca provaram nada. Ao contrário, nós é que temos provas contra eles: corrupção de dirigentes sindicais, financiamento de políticos, médicos assessores se fazendo passar por pesquisadores neutros e posando de acadêmicos “independentes”, juízes que advogam para a indústria do amianto. A nossa luta é por justiça socioambiental. Portanto, estamos muito tranqüilos. Não somos associados a nenhum grupo de interesse econômico. Acreditamos e desejamos que o amianto, responsável pela maior catástrofe ecossanitária do século 20, seja extirpado da nossa sociedade. Portanto, não aceitamos esse papo furado de que interesses estrangeiros estariam por trás da campanha do banimento do amianto no Brasil. A bandeira do banimento do amianto é do movimento social. Esse é nosso trabalho; o trabalho das Abreas! Sabemos que a briga é muito desigual face ao tamanho do poder político e econômico do lobby do amianto. É quase uma luta entre Davi e Golias. Mas a venceremos!

Fonte: Vi o Mundo

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