segunda-feira, 30 de junho de 2008

Índios isolados: mídia mundial erra em cobertura


por Altino Machado
De Rio Branco (AC)

O sertanista da Funai José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, distribuiu uma nota de esclarecimento em decorrência de várias notícias veiculadas na semana passada dando conta de que seriam uma fraude as fotos dos índios isolados atirando contra um avião na fronteira Brasil-Peru.

A confusão começou quando Gabriel Elizondo, correspondente da Al Jazeera no Brasil, entrevistou o sertanista em Feijó (AC) e relatou que a existência dos índios isolados na região é conhecida desde 1910. O sertanista já havia declarado isso em outras tantas entrevistas.

Porém, baseado naquele relato, Peter Beaumont, do jornal inglês The Observer, deduziu que o sertanista não fizera uma "descoberta inédita" e que a existência da tribo era do conhecimento do governo brasileiro há quase cem anos.

Embora Meirelles jamais tenha reivindicado o ineditismo, o relato da Al Jazeera e as precipitadas conclusões de Peter Beaumont, especialista em temas do Oriente Médio, muito respeitado pelo seu trabalho no Iraque, serviram para revigorar a disposição dos madeireiros de continuar explorando as terras dos índios isolados do lado peruano.

- Peter Beaumont copiou o que escrevi e tirou conclusões sobre um assunto o qual ele desconhece. Nós tivemos o trabalho de viajar até Feijó, no Acre, para entrevistar o sertanista Meirelles e lamentamos as consequências negativas do que fez The Observer - disse Gabriel Elizondo a Terra Magazine.

CTRL+C, CTRL+V

Até a holandesa Radio Nederland contribuiu para divulgar a versão equivocada de que tudo não passou de uma fábula. O website da emissora veiculou conclusões do antropólogo holandês Peter Jona, para quem houve encenação para a foto dos índios atirando flechas contra o avião do sertanista.

O comando de computador para copiar (CTRL+C) e colar (CTRL+V) afetou até o jornal espanhol El País, que se baseou na conclusão precipitada do Observer para tratar o sertanista como fotógrafo e concluir que tudo não passou de "una historia bonita, pero un fraude".

Na verdade, poucos correspondentes estrangeiros no País escreveram sobre os índios isolados. Gerhard Dilger, correspondente do diário alemão Taz, na semana passada foi um dos poucos a esclarecer os leitores de seu país a respeito das controvérsias.

A desinformação que dominou parte da imprensa internacional foi comemorada por madeireiros e autoridades do governo peruano, bem como por alguns veículos da mídia brasileira e peruana, que reproduziram diversas reportagens baseadas na "recortagem" do Observer.

O site de notícias chinês China View confundiu até a função de Meirelles, chamando o sertanista de fotógrafo: "O fotógrafo que divulgou as fotos de uma tribo isolada na Amazônia (...) admitiu que elas eram parte de uma fraude para chamar a atenção para os perigos causados pela indústria madeireira do Brasil".

As fotos dos índios isolados foram divulgadas em primeira mão por Terra Magazine no dia 23 de maio, quando o sertanista entregou à reportagem dois CDs com 1.090 fotos tiradas durante os cinco dias de sobrevôo na região da fronteira Brasil-Peru. Meirelles decidiu divulgá-las para denunciar ao mundo a exploração ilegal de madeira nas terras dos índios isolados, o que resultou em pressão da opinião pública internacional contra o governo e os madeireiros peruanos.

Farsa peruana

Em Pucalpa, capital do departamento peruano de Ucayali, região controlada pela madeireira Forestal Venao, que explora mogno em área indígena, o jornal Ahora já havia publicado, no dia 5 de junho, uma foto na qual aparecem seis indígenas, com a seguinte manchete na primeira página: "Supuestos no contactados dicen que ONG pago para fotografiarlos desnudos". As organizações WWF e Aidesep negaram as acusações.

A Survival International, uma organização que defende os direitos dos povos indígenas isolados, que ajudou a divulgar as fotos dos índios isolados após terem sido publicadas em Terra Magazine, não havia descrito a tribo como "perdida" e havia dito na época que o objetivo era mostrar ao mundo sua existência.

A organização tem buscado o direito de publicar algo no Observer para tentar corrigir o erro. O dano do artigo de Peter Beaumont é incalculável. As ilações dele têm sido consideradas muito negativas para os índios isolados, porque escreveu exatamente o que as madeireiras, petrolíferas e politicos anti-indígenas queriam ler. Também atingiu o esforço do sertanista Meirelles e de entidades como Survival e Coordenação Geral de Índios Isolados da Fundação Nacional do Índio, que defendem os direitos dos isolados e tentam dar visibilidade aos problemas que eles enfrentam.

As trapalhadas da mídia forçaram o sertanista Meirelles a enviar para Terra Magazine, para a antropóloga Fiona Watson, diretora de campanhas da Survival Internacional, e para a Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil, uma nota de esclarecimento.

Segundo Meirelles, a opinião pública nacional e internacional, abastecida por informações da mídia, podem ser ótimos aliados dos isolados na defesa de seus territórios e de seu modo de vida.

- Se a imprensa internacional insistir em publicar informações erradas, desencontradas e se ater somente à polêmica e ao exótico, estará prestando, gratuitamente, espero, um ótimo serviço aos interesses dos madeireiros ilegais, concessionários de lotes petrolíferos e minerais ou agentes do agronegócio que cobiçam e invadem o território desses povos - afirma Meirelles.

Leia a íntegra da nota do sertanista da Funai:

"1 - Os povos isolados da região da divisa do Acre com o Peru começaram a "conhecer" o homem branco quando a empresa seringalista inicia a instalação dos seringais nos altos rios do Acre.

2 - Alguns povos foram exterminados, outros contatados e alguns poucos continuaram isolados, e assim permanecem até hoje.

3 - Esta data de 1910, motivo de alguma controvércia na mídia, talvez esteja sendo confundida com a criação do SPI - Serviço de Proteção ao Índio. O não índio que "descobriu" pela primeira vez este povo já está morto. Deve ter sido algum nordestino que veio nas primeiras levas de seringueiros para explorar borracha no Acre, no final do século 19.

4 - Especificamente, os índios que aparecem nas fotos, sabe-se de sua existência há muito tempo. A frente Envira que os protege há 20 anos, quando lá chegou, colheu depoimentos de índios aculturados e seringueiros da região, cujos pais e avós davam notícias desse povo, brabo, como por aqui se chama, que mora nas terras firmes, entre os rios Envira e Tarauacá.

5 - Quem nada sabe, ou tem muito pouca informação sobre o assunto, quando lê "índio isolado", fica com a impressão que descobriu-se estes índios agora, que nunca antes ninguem tinha notícias deles. Tomara que fosse assim. Pelo menos os índios isolados não teriam passado por mais de 100 anos de perseguições e mortes com que a nossa "civilização" os brindou.

6 - Creio que o futuro desses povos está hoje em nossas mãos. Um ótimo aliado que podem ter na defesa de seus territórios e de seu modo de vida é a opinião pública nacional e internacional, abastecida por informaçóes da mídia. Se a imprensa internacional insistir em publicar informações erradas, desencontradas e se ater somente à polêmica e ao exótico, estará prestando, gratuitamente, espero, um ótimo serviço aos interesses dos madeireiros ilegais, concessionários de lotes petrolíferos e minerais ou agentes do agronegócio que cobiçam e invadem o território desses povos.

José Carlos Meirelles

Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira- Fundação Nacional do Índio"

Fonte: Terra Magazine


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